Mirror Kingdoms: The Best of Peter S. Beagle
Eu entendi que se houvessem infinitos contos do Peter Beagle eu acabaria deixando de viver a minha vida para viver apenas as que ele cria a partir do nada e que acabam significando tudo.
Mirror Kingdoms: The Best of Peter S. Beagle
Heider Carlos
Este é o pior
tipo de resenha: não tenho nada a reclamar do livro, e ele me deslumbrou a
ponto de não conseguir fazer nenhum comentário espirituoso. Fiquem avisados: o
que se segue é a mais pura rasgação de seda.
Não há autor
que eu queria tanto que tivesse seus livros lançados aqui quando o Peter
Beagle. Nosso mercado para livros de fantasia está ótimo – muitos lançamentos quase
simultâneos com os países de origens, vários autores nacionais de destaque. Mas
para mim toda biblioteca sem nada do Peter Beagle é incompleta.
Ele é mais
conhecido por um livro chamado The Last Unicorn, que foi transformado em um
filme de animação pelo estúdio Topcraft. É incrível, uma daquelas obras
desconhecidas que todo mundo deveria conhecer. Funciona perfeitamente bem para
adultos e crianças – é um conto de fadas consciente de ser um conto de fadas,
melancólico e sublime. Infelizmente nunca pagaram ao Peter Beagle os lucros
devidos à animação – ele tem uma história de ser passado para trás por pessoas
inescrupulosas, inclusive da própria família.
E para ajudar
a pagar as contas o autor tem lançado bastantes livros de contos ou novelas. Uma
produção nada mal para quem se aproxima dos oitenta anos. Ele cresceu em outra
época e sua visão de fantasia é mais clássica, mas nunca ultrapassada. Ele não
nega Tolkien (inclusive é o responsável pelo roteiro da animação de Senhor dos
Anéis), mas bebeu também de fontes mais antigas. Creio que Hope Mirrless
gostaria de ler seus livros, e esta é uma honra imaginária que eu atribuo a
poucos escritores.
Mirror
Kingdoms é uma antologia de histórias “curtas”. Dezoito delas, distribuídas em
quase quinhentas páginas. Cada pequena história é uma pérola por si só, que
gasta aproximadamente uma hora para se ler e sabe-se lá quantos meses para sair
de você. É um livro difícil de ler, porque cada história parece um mundo
completo e contido, e viajar entre mundos é sempre cansativo. Mas não há uma
história que eu considere menos que maravilhosa – no sentido mais clássico da
palavra, cheia de maravilhas.
Two Hearts é a
mais esperada – a continuação de The Last Unicorn, que abre alas para um livro
que talvez nunca chegue, mas que já mora nos meus sonhos. Velhos conhecidos
retornam, o tempo passa e cobra seu preço. Contar muito é estragar a graça de
quem não o leu, mas é uma história que só deve ser lida após a leitura do livro
original. Ganhou os prêmios Nebula, Hugo e o World Fantasy Awards.
Professor
Gottesman and the Indian Rhinoceros é sobre um rinoceronte invisível (que clama
ser um unicórnio) que se muda para a casa de um professor de filosofia
introspectivo. Eles desenvolvem uma amizade enquanto debatem filosofia e
aproveitam da solidão do pensamento acompanhados.
The Last and
Only, or, Mr. Moscowitz Becomes French é sobre um senhor que começa a se tornar
fracês. É uma sátira política, e uma sátira ao nacionalismo. A fantasia aqui
presente é própria do mundo, não dos personagens. Nos lembra quão absurdo é o
lugar e as noções sob as quais vivemos.
Come Lady
Death é antiga, de 1963. Peter Beagle a escreveu para impressionar um professor
que achava fantasia algo inferior. É linda, é elegante, é assustadora. É uma
morte digna de figurar ao lado da do Sr. Gaiman e do Sir Pratchett.
El Regalo faz
parte do universo de The Folk in the Air (que nunca li). Beagle gosta de
escrever sobre imigrantes, e isto inclui a américa latina. Um criança começa a
ter problemas ao lidar com magias poderosas demais para sua idade, e cabe a sua
irmã mais velha lidar com os problemas.
Julie’s
Unicorn é, sim, mais um conto sobre unicórnios. O autor realmente os ama. É
sobre arte, outro assunto predileto do autor (eu também colocaria entre seus
favoritos histórias e linguagens). É quase um realismo fantástico, onde a arte
gera vida e a modifica. Interessante, embora seja um dos mais previsíveis.
The Last Song
of Sirit Byar se passa no mesmo mundo de The Inkeeper’s Song e é do caralho. Eu
comecei a ler a história do bardo e sua aprendiz no ônibus, desci lendo e caminhei
vários quarteirões até termina-la. Histórias satisfatórias sobre bardos são
raras, e esta tem ao mesmo tempo a leveza de uma pena e o peso de chumbo.
Lila the
Werewolf é a mais fraca de todas. É antiga também, e estranha, e perturbadora,
e experimental. Como um artista brincando com uma guitarra e depois vendo que
talvez havia mais barulho do que melodia em algumas partes. Um personagem
aparece em outro conto.
What Tune The
Enchantress Plays é o mais próximo de high fantasy. Uma jovem tem dons mágicos,
mas para mantê-los tem que casar com alguém de sua tribo. Só que ela se
apaixona por alguém de fora, e decide enfrentar tudo para ter sua vontade. É
uma história poderosa, que comparada com outras deste livro usa um cutelo ao
invés de um bisturi para conseguir seu efeito.
Uncle Chaim and Aunt Rike
and the Angels lida com anjos. Eu cresci em uma famíia cristâ, e este tipo de
fantasia nunca me tocou muito. Eu acho interessante, mas é um tema que mesmo
sendo ateu nunca me pareceu fantasioso o bastante por ter acreditado quando
criança. Seria o mesmo que ler uma história com o papai noel. Minha suspenção
de descrença ficaria contrariada, mas aqui tudo funciona. Aqui uma criança
encontra com um anjo no estúdio de seu tio, um pintor. E há lições. Ela lida,
muito abertamente, com o significado da arte em si.
Salt Wine me
lembra muito uma história irlandesa chamada The Merrow. É sobre estas
criaturas, que são o equivalente masculino de sereias (e normalmente são
chamadas de tritão em português, embora eu ache o nome muito relacionado à
mitologia grega). Um marinheiro faz um trato com um merrow pela receita de um
vinho salgado, e tem que pagar o preço.
Giant Bones
garantiu uma antologia de mesmo nome, e também faz parte do mundo do livro The
Inkeeper’s Song. É uma história contada para que uma criança durma, sobre o seu
avô, que por um tempo morou com gigantes. Todo o estranhamento e deslumbre de uma
cultura diferente é mostrado de um jeito muito delicado.
King Pelles
the Sure é o menor conto, também lida abertamente com o poder das histórias e o
poder sobre nós mesmos. Um rei decide declarar uma guerra tola para garantir
renome, mas a situação escala de um jeito que ele perde tudo a não ser a
amizade de seu Grande Vizir, com quem foge. É previsível, mas gostoso.
Vanishing usa
a morte de uma mulher no muro de Berlim para tecer uma história de fantasmas. É
um tema recente, complexo e muito pesado. Lida com certas responsabilidades
que, mesmo que não sejam nossas, acabamos tomando para nós.
The Tale of
Junko and Sayuri é uma história focada em fantasias japonesas (ele viria a
escrever pelo menos uma nova) e, como ocidental, não posso pesar muito sobre
quão clichê é. Mas é gostosa, e me lembra de um tempo da minha vida em que o
conhecimento histórico não se sobrepunha ao conhecimento fantástico e eu
admirava todos os ideias românticos de samurais e elementos similares.
The Rock in
the Park é uma história tipicamente americana: duas crianças encontram com uma
família de centauros no Central Park. Eles estão perdidos e precisam de ajuda
pra conseguir chegar ao México. Deve ser mais interessante para quem é de Nova
York.
We Never Talk
About My Brother é outra história assustadoramente política, lidando com o
poder que a mídia tem de modificar o mundo e criar verdades.
The Rabbi’s
Brother é mais uma história com um pano de fundo judeu. Seus elementos de
fantasia vão se desdobrando conforme vamos lendo a história de uma criança se
preparando para seu bar mitzvah, e o final é de tirar o fôlego.
Eu entendi que se houvessem infinitos contos do Peter Beagle eu acabaria
deixando de viver a minha vida para viver apenas as que ele cria a partir do
nada e que acabam significando tudo. Felizmente, embora não infinitos, eles vão sendo
publicados. Comprei seu último livro, Overneath , na pré-venda e estou
esperando ansiosamente sua chegada. Ainda há muita coisa dele para ler, e a
vida acaba se tornando mais fantástica por isso.
Feliz natal! Te desejo um 2018 incrível, com muito amor, muitos livros e muitas cores. E que sua família continue sempre feliz! Abração pisquila!
ResponderExcluirParabéns. Feliz natal e feliz ano novo pra vc, anônimo muito provavelmente bot
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