Sombras da Noite


Sombras da Noite é um livro escrito há quase 40 anos, e sua idade fica aparente em alguns lugares. O jeito de fazer terror mudou bastante, embora não tenha mudado o fato que Stephen King é o rei dele. Há muita coisa mais elegante hoje em dia. Inclusive Joe Hill, o filho do Stephen King e um dos melhores escritores da atualidade. Mas, que eu saiba, ninguém escreveu um livro de contos de terror de tanto impacto. Aqui tem terror psicológico, terror galhofa, pós-terror. Tem de tudo um pouco, e provavelmente pouca gente vai se agradar com tudo. Mas é difícil pensar em quem não gostaria de nem ao menos alguns dos contos.

Saudações nobres,
Seguiremos com mais uma crítica do Lorde

Sombras da Noite - Stephen King
Heider Carlos

Uns cinco anos atrás uma livraria da minha cidade comprou o estoque de livros de outra que faliu, e os colocou à venda em promoção. Foi tipo um sebo de livros novos. Aproveitei e comprei vários livros baratinhos, entre eles Sombras da Noite, na versão da Editora Objetiva de 2008. Eu costumo ler livros de contos fora de ordem, de acordo com o tempo e a curiosidade. Estou decidido a terminar uns livros inacabados da minha lista. Demorei um bom tempo pra terminar este, e com certeza li alguns contos umas duas vezes. Ou cinco.

Algumas pessoas não gostam de livros de contos. Livros normais são relacionamentos duradouros, onde você acompanha a vida de uma outra pessoa. Livros de contos funcionam mais como pegação de festa: algo curto e intenso, que se você tiver sorte dá prazer imediato e de vez em quando algumas coisas mais malucas e impensadas acontecem. Se você der azar é só um tédio ou algo esquisito mesmo. Em ambos os casos você muito provavelmente vai esquecer de tudo daqui a umas semanas.

Contos funcionam ou não. São muito curtos para qualquer coisa mais elaborada. Às vezes ressoam com alguém mas não com outra pessoa. Na maioria dos casos é até difícil argumentar se são bons ou ruins.

Eu leio Stephen King desde que tinha uns treze anos de idade. Inclusive uma vez ele me fez ganhar muito hidromel e cerveja de graça. Alguns livros seus eu amei. O primeiro livro que não tive saco para ler e larguei também foi dele. É uma relação complexa, mas é um autor para o qual eu sempre volto de tempos em tempos.

Sombras da Noite foi o quinto livro do Stephen King publicado, e o primeiro de contos. Rendeu pelo menos seis filmes pro cinema (um virou uma franquia de terror) e quatro filmes para TV. Foi também quando Stephen King criou seu programa Dollar’s Baby: você poderia adaptar oficialmente qualquer história como um filme ou curta desde que ele não fosse lançado oficialmente e ele recebesse uma cópia. É parecido com alguns formatos de licença da Creative Commons, mas foi criado duas décadas antes.

Vou fazer um breve resumo de cada conto e do que achei deles. Vou tentar não dar spoilers, mas como são histórias curtas ignorem a seu bel prazer.

Jerusalem’s Lot: história pastiche de H. P. Lovecraft (inclusive se passa na mesma época que as dele) sobre um rapaz que herda uma mansão. Não há muito de Stephen King aqui, e como Lovecraft eu prefiro o original.

Último Turno: um grupo de trabalhadores vai limpar os porões abandonados de uma fábrica. Alguns temas são parecidos com a primeira história (ratos!), mas aqui o King está a vontade com sua prosa.

Ondas Noturnas: história melancólica sobre um grupo de sobreviventes em um mundo onde um vírus matou a maior parte da população. Faz parte do mundo de A Dança da Morte, que eu nunca li - mas fiquei com vontade.

Eu Sou o Portal: ficção científica de terror sobre um astronauta que entrou em contato com o que não devia. É mais perturbadora do que aterrorizante, mas é beeeeem perturbadora.

A Máquina de Passar Roupa: é uma das histórias de terror galhofa do King, sobre uma máquina de passar roupa possuída. É divertida do mesmo jeito que um filme z é divertido.

O Bicho-Papão: um homem no divã de seu psiquiatra contando sobre o acidente que matou seus filhos. É uma daquelas histórias que é uma zoação com um tipo de pessoa. É muito bem escrita.

Massa Cinzenta: o filho de um bebum vem pedir ajuda aos amigos de seu pai depois que ele tomou uma cerveja vencida e passou a se comportar de modo estranho. É meio nojenta e tem bons personagens.

Campo de Batalha: um assassino de aluguel (que estaria confortável em romances policiais mas parece deslocado em um livro do King) recebe um pacote com soldadinhos de brinquedo em casa. Quem gostava de A Chave Mágica quando criança vai curtir.

Caminhões: caminhões ganham inteligência e começam a exterminar a humanidade. É uma das histórias mais ridículas que eu já li. O próprio Stephen King dirigiu uma adaptação em vídeo. Eu não assisti, mas se for igualmente ridícula deve valer a pena.

Às Vezes Eles Voltam: um professor tem que dar aula para pessoas envolvidas em um crime do seu passado. É uma história muito anos 70, mas foi uma das que me deixou mais perturbado.

Primavera Vermelha: um assassino em série fazendo suas matanças pelo campus de uma faculdade, misturando realidade e folclore. Tudo que é muito folclórico soa também muito poético pra mim.

O Ressalto: história muito boa sobre um homem que contrata uma empresa para cortar a grama de seu quintal. É daquelas em que algo comum vai se mostrando cada vez mais perturbador..

Ex-Fumantes Ltda: é sobre uma sociedade secreta para ajudar fumantes a parar. Eu adoro histórias sobre sociedades secretas, e é uma das mais assustadoras por não ter nada de sobrenatural nela. Envelheceu muito bem.

Eu Sei do Que Você Precisa: paródia de romances para meninas onde aparece um homem perfeito. O final segue um rumo diferente da maioria dos contos.

As Crianças do Milharal: quem gosta de filmes de terror já viu o original ou as várias continuações. Um casal viajava quando seu carro estraga e são obrigados a lidar com crianças estranhas em um milharal. Te prende do começo ao fim.

O Último Degrau da Escada: um irmão lembra da infância com a irmã. Mais uma daquelas histórias onde o mais assustador é a falta do sobrenatural. Deixa um vazio no peito.

O Homem que Adorava Flores: uma história simples sobre um rapaz andando pela cidade com um buquê de flores. Não duraria mais que uma página nas mãos da maioria, mas King consegue fazer a história ficar interessante.

A Saideira: um homem chega a Salem’s Lot (a cidade do livro A Hora do Vampiro) em meio a uma tempestade de neve pedindo ajuda para resgatar sua família presa no carro. Eu não gostei muito de A Hora do Vampiro quando o li, mas adorei esta história. Talvez seja hora de relê-lo?

A Mulher no Quarto: um homem acompanha sua mãe, que tem câncer e está em estágio terminal, sofrendo numa cama de hospital. Foi a história mais assustadora para mim, provavelmente porque meu pai morreu na minha frente numa cama de hospital há alguns meses.

Infelizmente a tradução e revisão tem seus problemas. Letras trocadas, termos literais demais e que deixam a leitura travada, etc. Mas é minha única reclamação técnica de Sombras da Noite. Ele é feito de um material bom e com letras de bom tamanho - o que nem sempre é o caso com os livros do Stephen King.


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