Saudações nobres, a resenha é do Lorde Heider e vem com uma dose enorme de nostalgia.
Speed Racer – Mach Go Go Go – Tatsuo Oshida
Heider Carlos
Eu me lembro de assistir Speed Racer na TV Record, há mais de vinte anos
atrás. Eu não fazia ideia do que era um anime. E eu gostava. O que não é muito
mérito – eu gostava de todos os desenhos animados que passavam na TV aberta. E
não lembro de praticamente nada a não ser do nome dos personagens e de que
tinha corridas. Seria muito legal fazer uma comparação entre o anime e o mangá,
mas eu não tenho tempo nem de ver os animes atuais que me interessam, o que
dirá um anime antigo de 52 episódios.
Dei uma pesquisada e foram feitas mais duas animações americanas, um
filme americano dirigido pelas Irmãs Wachowski (as mesmas que criaram Matrix) e
um filme animado feito em Flash numa parceria americana-indiana. Tem até um
anime spinoff protagonizado por uma menina, chamado Mach Girl. Ou seja, a
franquia nunca morreu. E com a enchente de animes baseados em franquias antigas
sendo lançados eu não estranharia se anunciassem um novo Speed Racer.
Bem, o mangá estava em promoção e eu gosto de coisas velhas. Além disso
ele é da Editora New Pop, e eu costumo gostar das edições únicas que ela lança.
Comprei e é um box muito bonito. Mais de 600 páginas divididas em dois volumes.
Papel de qualidade, algumas páginas são coloridas, os volumes têm aquelas
orelhas para marcar páginas que se você usa para marcar páginas nós não podemos
ser amigos. Ou seja, nada a reclamar dos aspectos técnicos. Já a história em si
é uma viagem e tanto.
Speed Racer (Go Mifune no original japonês) é um jovem piloto prodígio lutador
metrossexual. Ele namora Trixie, piloto de helicóptero, e é filho de Pops Racer
(Daisuke Mifune), um campeão de artes marciais e engenheiro automotivo. Ele tem
um irmão mais novo, Gorducho, que tem como animal de estimação um macaco
chamado Zequinha. Tem também o personagem Corredor X, que é secretamente o
irmão mais velho desaparecido do Speed Racer. E que parece demais com o Ciclope
dos X-Men.
Histórias daquela época tem um desprendimento com a realidade que nossa
geração de cínicos não consegue aceitar nem produzir facilmente. Eu acho
gostoso. Vou contar sobre um capítulo para dar um exemplo: uma tribo indígena
vive isolada do resto do mundo. O presidente do país entra em contato com o
líder da tribo, propondo que eles se abram para o mundo. Acabam entrando em
acordo: farão uma disputa, e se o herói da tribo vencer eles continuam
isolados. O herói da tribo indígena é um corredor (!), a corrida é feita em um
vulcão onde há um dinossauro (!!) que o Speed derrota usando um robô de pássaro
em seu carro (!!!). É ridículo? Muito. É divertido? Demais.
E é, também, um mangá que mostra bem a visão de sua época. No capítulo
acima dá para ver um respeito pela autonomia da sociedade indígena, um
pensamento mais progressista. Ao mesmo tempo os índios são retratados como
assassinos de crianças, tentando matar o Gorducho com um pêndulo com uma lâmina
que desce um pouco mais a cada intervalo. Sim, a clássica armadilha criada pelo
Edgar Allan Poe. Trixie, namorada de Speed, é fundamental para muitas vitórias,
mas sempre com papel de suporte. Há duas mulheres que pilotam carros, e há
muita conspiração empresarial e sabotagem. Ao mesmo tempo a mãe do Speed é só uma
figurante, mesmo tendo descoberto antes de todo mundo o que aconteceu com seu
filho mais velho.
Isto é muito errado
O mangá lida muito com relações familiares. Pops, o pai de Speed, quer
evitar que o filho corra em corridas mais perigosas (há mortes em todos os
capítulos). Speed o desobedece abertamente várias vezes. O mangá é dos anos 60,
e o Japão é ainda mais neurado com respeito aos familiares que o ocidente. O
próprio Corredor X desobedeceu seu pai e sumiu no mundo. Não sei se seu nome é
uma referência à Geração X, mas sua história é um retrato perfeito de sua
relação com os baby boomers.
Eu não entendo de carros na vida real, mas adoro design, tanto de carros
antigos reais quanto fictícios. Inclusive uma das minhas reclamações em relação
a Fórmula 1 é que os carros são iguais demais. Em Speed Racer é uma delícia
ficar vendo os carros. Match 5 é icônico, branco e angular, com um grande M
vermelho. Estrela Cadente, o carro amarelo do Corredor X, é parecido com o
Match 5, mas mais tradicional. O soturno carro Malange, que vinga a morte de
seu piloto, é número 13, representado como X3 para que quem esteja vendo pelo
retrovisor leia EX. São carros que hoje em dia eu adoraria ter brinquedos
colecionáveis – imagina o apelo que não tem com crianças.
O traço é curioso. Por ser antigo ainda tem bastante influência dos
desenhos animados ocidentais. Gorducho e Zequinha estariam à vontade em
qualquer animação americana antiga. Há alguns personagens que parecem até ter
vindo de quadrinhos ocidentais. Ao mesmo tempo muitas personagens já têm traços
que a gente considera mais característicos de mangás mesmo. Uma salada que não
destoa. O autor, Tatsuo Yoshida, com certeza gostava de desenhar carros, e é
gostoso ficar notando os detalhes que ele coloca. Algo também curioso é que seu
traço é grosso e um pouco tremido, como se ele usasse uma caneta saindo tinta
demais, ou um papel que absorvesse muito. Bem diferente do que é padrão hoje em
dia.
O autor também copiou algumas páginas e trechos. Eu nem estava prestando
tanta atenção ou procurando por coisas assim, só notei porquê é algo bem
escrachado. Acho que se procurar vou achar muito mais ilustrações copiadas. Com
certeza eram outros tempos...
É um mangá de nicho.
Seja para os fãs do anime (e eu não sou um deles) ou pelos curiosos por uma
obra mais clássica. É claro que nostalgia vende muito (às vezes eu acho que
metade do mercado de mangás no Brasil é Cavaleiros do Zodíaco), e provavelmente
este é o maior motivo do mangá de Speed Racer ter chegado ao Brasil. Mas acho
muito importante conhecer os clássicos. Não só mostra a evolução da mídia como
é algo necessário para entender o todo. É um sinal que o próprio mercado começa
a ter mais maturidade no país.
Neo Pop, traga o mangá
de Lupin III pra cá. Nunca te pedi nada.