Norse Mythology/Mitologia Nórdica


"O sábio nada respondeu: é raro cometer erros quando se está calado."




Livro: Mitologia Nórdica
Autor: Neil Gaiman
Editora Intrínseca
Sinopse:
Neil Gaiman tem sido inspirado pela mitologia antiga na criação dos reinos fantásticos de sua ficção. Agora ele volta sua atenção para a fonte, apresentando uma versão bravura das grandes histórias do norte.
Na mitologia nórdica, Gaiman permanece fiel aos mitos ao prever o maior panteão dos deuses nórdicos: Odin, o mais alto dos altos, sábios, ousados ​​e astutos; Thor, filho de Odin, incrivelmente forte, mas não o mais sábio dos deuses; E Loki-filho de um irmão de sangue gigante para Odin e um malandro e insuperável manipulador.
Gaiman modela essas histórias primitivas em um arco romântico que começa com a gênese dos nove mundos lendários e mergulha nas façanhas de deidades, anões e gigantes. Uma vez, quando o martelo de Thor é roubado, Thor deve disfarçar-se como uma mulher - difícil com sua barba e enorme apetite - para roubá-lo de volta. Mais pungente é o conto em que o sangue de Kvasir - o mais sagaz dos deuses - se transforma em um hidromel que infunde bebedores com poesia. O trabalho culmina em Ragnarok, o crepúsculo dos deuses e o renascimento de um novo tempo e de pessoas.
Através da prosa hábil e espirituosa de Gaiman surgem esses deuses com suas naturezas ferozmente competitivas, sua susceptibilidade a ser enganados e enganar os outros e sua tendência a deixar a paixão inflamar suas ações, fazendo com que esses mitos há muito tempo respirem uma vida pungente novamente.
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Saudações nobres, mais uma crítica do Lorde. Aviso apenas que diferentemente da versão que ele usou para a crítica, as informações do skoob e buscapé são da versão brasileira da obra.




Norse Mythology – Neil Gaiman
Heider Carlos, O Lorde


Tudo o que nós sabemos de mitologia nórdica vem de dois compilados de textos. Um deles é a Edda em prosa, escrito pelo monge Snorri Sturluson em 1220. E o outro a Edda em poemas, um compilado de poemas anônimos aproximadamente da mesma época. São transcrições de histórias contadas oralmente através de séculos, tentativas de colocar em texto uma religião que já havia sido proibida pelo cristianismo há mais de cem anos.
Não dá nem ao menos para dizer que são os relatos originais foram transcritos diretamente – certamente há muita influência do pensamento cristão no próprio modo como estas histórias foram coletadas e modificadas, como o que aconteceu com As Mil e Uma Noites. É uma tapeçaria feita com retalhos de diversas outras tapeçarias, cheia de pontas soltas. As histórias são muitas vezes contraditórias ou incompletas. Tudo que podemos fazer é ver se algumas pontas combinam, se alguns retalhos se encaixam melhor com outros.

Isto não fez com que a mitologia nórdica deixasse de se espalhar pelo mundo todo ou de ter impacto. Dá pra ver elementos em quadrinhos e filmes, jogos e músicas, livros e peças de teatro. Há até algumas pessoas que seguem a religião nórdica como podem – inclusive um finado mendigo cego autodidata de Nova York que teve suas músicas gravadas pela New York Philharmonic, era devoto de Odin e se vestia como viking (ele se chamava Moondog e era incrível).

E porque estas histórias sobrevivem tanto? Difícil dizer, mas eu chutaria que o tom da mitologia nórdica é diferente. Na bíblia ou na mitologia grega nós não temos um equivalente a Loki – alguém conhecido tanto por causar problemas quanto por resolvê-los. Claro que este personagem existe em histórias pelo mundo todo – é o arquétipo do trickster, que engana os outros, tenta sempre se dar bem e odeia seguir ordens. Só que ele não costuma ser abraçado pelas religiões contemporâneas. Estes personagens sobrevivem no imaginário popular, mas em papel menores. Como o saci pererê ou os leprechauns.

Já a mitologia nórdica tem no Loki um de seus personagens mais importantes. Não apenas ele, mas Odin é conhecido por suas mentiras, e Thor por sua incapacidade de levar planos cheios de mentira adiante pela sua deficiência de raciocínio. Na mitologia nórdica não há um deus criador. O fim do mundo não é paz e celebração, mas batalha e morte. Os erros do passado não voltam para nos assombrar, mas vem para nos engolir. Há muito humor e violência e poucas lições de moral.

Quem acompanha o trabalho do Gaiman sabe que é fácil achar elementos da mitologia nórdica. Deuses aparecem em Sandman e um dos principais personagens de American Gods é Odin. Há um livro infantil do Gaiman que não apenas tem os deuses mas se passa no período em que a religião nórdica dominava a Escandinávia – o singelo Odd e os Gigantes de Gelo.

Mas é característico do Gaiman brincar com religiões, mitologias, histórias. Pegar e misturar, recortar, colar, e fazer algo totalmente novo. Sempre no reino da ficção. Um livro onde ele recontaria as histórias da mitologia nórdica se não foi uma surpresa para muitos foi pelo menos uma surpresa para mim.

Norse Mythology é a escolha de algumas histórias da Edda em prosa, recontadas no estilo do autor. Eu li a edição em inglês, então infelizmente ainda não posso comentar da edição nacional da Intrínseca e sua tradução. Quem conhece Gaiman sabe o que esperar. Não é só sobre o que ele conta, mas como. Sua escrita flui como água morro abaixo. Você começa a ler e é difícil parar. E em um livro onde ele não criou as histórias, só as contou, é a escrita que faz a diferença.

Temos aqui a história de como Loki se tornou um deus, de como Odin perdeu seu olho, de como surgiu a poesia. De como Loki enganou anões e acabou dando aos deuses Mjolnir, Draupnir e o cabelo dourado de Silf. Da morte de Balder. Do final de Loki e do final do próprio mundo, o Ragnarok.

A prosa do Neil Gaiman é, ao mesmo tempo, a maior força e a maior fraqueza do livro. Ao mesmo tempo em que é deliciosa de ler ela é muito refinada. Ele não muda os acontecimentos, apenas adiciona sabor, mas o texto sem a aspereza e a crueza das histórias originais pode até ganhar fluidez, mas perde impacto. Para quem não conhece as histórias antigas isto não é um problema. Para quem é familiar com elas algumas vezes o texto parece macio demais.

Norse Mythology é a melhor porta de entrada que consigo imaginar para quem está interessado no assunto. É óbvio que não substitui os textos mais antigos – e esta nunca foi a intenção. Assim como os escandinavos se juntavam para contar suas lendas, geração após geração, cada um mudando um pouco a história - talvez até sem notar, ou sem querer - Neil Gaiman reconta tudo e mantém as lendas vivas. Cabe a nós continuar a tradição - como ele mesmo sugere durante o livro - e manter os deuses vivos. Não para sempre, é claro. Só até o Ragnarok.

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